Categoria: Notícias Data: 10/11/2017

Morte reitor da UFSC: notícias de "verdades absolutas" sentenciaram investigado antes do fim das investigações

Há dois meses, uma operação realizada pela Polícia Federal (PF), chamada de Ouvidos Moucos, prendeu o então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier Olivo.

Há um mês, o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) cometeu suicídio em um shopping de Florianópolis. Um bilhete no bolso trazia uma mensagem que relacionava o ato trágico à prisão de um dia do reitor por ser acusado de desvio de recursos.


Ambas as informações vieram de notícias jornalísticas veiculadas nos mais variados meios de comunicação. A novidade em uma investigação policial faz a alegria do dia de muitos repórteres. Afinal, sejam dados públicos, sejam segredos de justiça de conhecimento da imprensa, em poucas horas - ou até minutos - estarão nas principais manchetes.

Os processos e as investigações criminais são procedimentos demorados que envolvem grande quantidade de provas e testemunhas. Somente quando chega ao fim é que o julgador estará apto a dar o veredicto de inocente ou culpado.

É neste ponto que podemos relacionar a história do reitor da UFSC com a realidade da imprensa atual no Brasil. Diante dos inúmeros escândalos políticos e sociais que vivemos, cada notícia se torna quase que um espetáculo a ser transmitido para a população. O que se assemelha aos combates medievais da Grécia Antiga ou à política do pão e circo.

As equipes de periódicos, cada vez mais enxutas, interferem em trabalhos finais de qualidade, inviabilizando pesquisas e investigações próprias dos repórteres mesmo que tenham em mãos as informações das organizações.

A operação Ouvidos Moucos foi declarada apenas em setembro e já afetou mais vidas do que os jornalistas poderiam imaginar. Entre elas, uma situação trágica e irreversível, que, de acordo com laudos da perícia, pode ter sido motivada por um constrangimento.

“Em um ambiente desses, não existem nem verdades nem mentiras absolutas”, é o que afirma o jornalista Carlos Wagner, em artigo publicado no Observatório da Imprensa, ao descrever o ambiente acadêmico, onde acontece a investigação que envolveu o reitor.

Essa afirmação deve ser entendida por todos os profissionais que têm a missão de divulgar fatos investigativos. Por mais provas que existam, se o processo ainda não chegou ao fim, não existe verdade absoluta. Pois, via de regra, não foram submetidas ao contraditório e à ampla defesa nos moldes legais.

São muitas instâncias, burocracias e etapas que um procedimento desse nível deve seguir. O objetivo é justamente apurar ao máximo cada fato para que o resultado final, de inocente ou culpado, seja justo.

O constrangimento, pelo qual Cancellier passou, independentemente de ter sido motivado pela culpa ou pela vergonha, deu um resultado final para parte desta operação. Mas um fim imprevisto. Não sentenciado pelo poder judiciário, mas sentenciado pelo impacto das notícias vinculadas sob a perspectiva de “verdades absolutas”.

Foto: Pipo Quint/Agecom/UFSC